quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Webséries e o processo de "gameficação" das narrativas audiovisuais - Parte 01



Quando o cinema começou em 1895, era definitivamente uma experiência coletiva. Só era possível ver um filme dentro de uma grande sala especialmente preparada para aquilo e com a companhia de dezenas de outras pessoas. Além do mais, as narrativas herdadas do teatro e da literatura tinham como características a linearidade das histórias e a passividade dos espectadores. Apesar destes hábitos ainda serem muito presentes nos dias de hoje, percebemos que esta experiência está cada vez mais individualizada e fragmentada. Primeiro com o advento dos videocassetes e depois dos aparelhos de DVD. Estes dispositivos eram capazes de copiar e reproduzir de forma barata e rápida e transformaram nossas salas de Tv em verdadeiros mini cinemas, onde compartilhávamos as histórias com aqueles mais próximos e ou até mesmo sozinhos. Além do mais o DVD nos permitiu, claro que com alguns inconvenientes, a possibilidade de alguma interação com a estrutura narrativa apresentada.

Já no novo milênio, e principalmente no início desta segunda década, esta “experiência de ver filmes” se tornou individualizada por natureza. Cada vez mais nos acostumamos a consumir em nossos dispositivos móveis quando, onde e como quisermos em telas cada vez mais poderosas e dos mais variados formatos e que estão sempre a nossa mão, nos fornecendo o entretenimento necessário para encarar os desafios do nosso dia-a-dia.

O fato é que nós, produtores audiovisuais, temos que nos adaptar aos novos tempos. Diferentemente do pensamento corrente dos dias atuais, não acredito que teremos que produzir um conteúdo exclusivo para cada plataforma. Muito pelo contrário. Vamos produzir apenas um único conteúdo que atenderá a todas as plataformas. No entanto, o que será diferente, é a forma como cada um vai se relacionar com este conteúdo de acordo com a conveniência do momento. Se estivermos em uma fila de banco ou em qualquer momento infernal no qual teremos que esperar por horas, vamos ver o conteúdo diretamente em nossos smartphones, mas se estivermos em casa ou em algum lugar que nos ofereça o conforto de uma tela grande, sem dúvida vamos optar por ela. 

Então estes dispositivos móveis, que antes apenas nos ajudavam a passar o tempo, ganharão uma outra e importante função que é a de se tornar uma plataforma de interação como conteúdo e de socialização com outros usuários. O desafio dos realizadores audiovisuais modernos é criar conteúdos que atendam a esta nova demanda. E não há um formato melhor do que das webséries que unem a versatilidade de produção de conteúdo com as possibilidades de interação da rede que, juntamente com estes novos dispositivos, estão cumprindo as promessas que nos foram antes feitas com o advento da TV digital.

Quando entre 2006 e 2007 as primeiras transmissões da TV Digital começaram no Brasil, havia muitas expectativas sobre as vantagens deste tipo de sinal, apesar das polêmicas e alguns impasses ainda pendentes quanto ao ISBD-TB, padrão adotado pelo governo brasileiro e que é uma adaptação do padrão japonês. 


Dentre as principais promessas, a melhoria da qualidade de sinal foi a única realmente cumprida. Sem dúvida não podemos negar que as imagens em alta definição são uma realidade dentro das casas dos brasileiros. E isto influenciou muito as produções televisivas, principalmente as voltadas para a dramaturgia, que se aproximaram cada vez mais da linguagem cinematográfica. Apesar das temáticas ainda serem as mesmas das antigas telenovelas.

Outra promessa anunciada foi aumento da quantidade de conteúdo audiovisual produzido e transmitido pelas emissoras, já que é possível através desta tecnologia a transmissão de diferentes canais dentro de um mesmo espectro de onda. Isto gerou um grande alvoroço entre os produtores independentes do país que viram uma oportunidade única de trabalharem junto com as emissoras na produção destes conteúdos. Mas infelizmente... Não passou de um alarme falso, pelo menos por enquanto.

Por fim, e talvez uma das mais discutidas e esperadas promessas, a interatividade dentro da programação. Muita coisa foi dita ressaltando as vantagens de se ter um canal de via dupla entre o emissor e o receptor das mensagens: desde a veiculação de conteúdos extras até gameshows com participação direta do espectador. Seja lá quando isso acontecer e da forma que irá acontecer, acredito que será muito abaixo das expectativas. Principalmente em se tratando de TV aberta no Brasil onde o domínio do conteúdo é uma premissa básica das emissoras. 

A verdade é que enquanto as emissoras de tv e as agências de publicidade, agarradas ao modelo tradicional de produção e monetização, estão discutindo o sexo dos anjos para saber como lidar com esta nova tecnologia, um número muito grande de produtores independentes, cansados de estarem a margem do processo, estão realizando seus trabalhos dentro de um modelo híbrido, focado em uma nova categoria de consumidor chamada de “Espectadores Casuais”. Esta nova categoria de consumidores de mídia se permite programar quando, por quanto tempo, onde e em qual dispositivo quer assistir. E principalmente anseiam por fazer parte das histórias narradas de alguma forma. 

Através da versatilidade das webséries e das possibilidades da internet, este produtores independentes estão fazendo uma verdadeira revolução que está tomando o lugar da TV digital em todos os sentidos. Afinal, cada vez mais as pessoas estão simplesmente conectando seus aparelhos a rede, seja por cabo ou redes sem fio, e tornando real aquelas promessas que nos fizeram com a tv digital. 

Vamos entender melhor a importância da internet para a produção do audiovisual nos próximos anos. Enquanto as emissoras hoje tratam as produções em vídeo realizadas para internet como sendo algo menor, dando ênfase somente no “pitoresco e inusitado” onde pessoas fazem coisas ridículas, talvez num esforço hercúleo para tentar “desmoralizar” as boas produções que fazem concorrência a elas, um estudo realizado em nível mundial e publicado no Plano de Desenvolvimento do Audiovisual Brasileiro e que foi divulgado pelo Ministério da Cultura junto com a Agência Nacional do Cinema, mostra que em 2019 a curva daqueles que consomem vídeo pelo sinal aberto de TV irá cair e cruzar com a curva ascendente daqueles que usam a internet para ver vídeos. E quando digo internet refiro-me a todo e qualquer dispositivo que possa ser conectado e que possua uma tela capaz de exibir imagens em movimento. Para se ter uma ideia do que isso representa, já em 2015, o volume mensal de vídeo consumido somente em dispositivos móveis representará 66,4% de todos os dados trafegados. 

Mas afinal, como as novas narrativas devem se comportar daqui para frente dentro deste novo cenário onde o espectador quer ver de forma fragmentada, casual e ao mesmo tempo interativa e ainda assim gerar um engajamento capaz de converter a audiência em monetização? Este é o assunto do nosso próximo post...